
Foi numa dessas tardes
em que resolvi descer a serra,
rumo ao mar, com destino incerto,
numa dessas tardes em que
a monotonia e solidão da alma se impôs,
mais forte que a razão,
e me impeliu a mover os ossos gastos
e o espírito devassado pelo incerto,
que a tua voz se fez ouvir
em forma de acalento,
ombro de amigo no meu ouvido,
ressoando no meu cérebro
frescuras longínquas, vida de outras vidas,
apagando o nada ser da minha existência.
Onde?....
Revivi para essa voz as imagens circundantes,
senti de novo dentro do peito,
o renovar do mundo em redor,
como se da primeira vez se tratasse.
Quase sentia o corpo saltitar,
quase que flutuava por vale e serra,
encosta do castelo, por cima da cascata
como se caminhasse em cima de uma nuvem branca,
feita da voz e ressonância,
feita de sons desconhecidos e palpitantes,
de uma macieza irreal.
Quando foi?...
A vida é feita de imagens, como se
de um álbum de fotografias se tratasse,
quase se desfolham mentalmente
as páginas numa ordem cronológica e,
agrafado junto, a história do momento.
Não pude resistir. Ao ver aquele mar,
água imensa, meu mar de calmaria e êxtase,
elo rumando ao teu encontro,
só me lembrava daquela voz e
de como ela precisava de saber
de que cor eram feitos os pensamentos,
quais os cheiros da minha costa,
as palavras murmuradas
pelo roçagar das ondas no areal,
e onde levam as pegadas das gaivotas.